domingo, 13 de maio de 2012

Venda com Prejuízo, por: Fernanda Palma

Sob as vestes da uma designação inglesa ("dumping"), a contraordenação a que os Decretos-Leis nºs 370/93 e 140/98 chamam "venda com prejuízo" tem sido referida com insistência pela comunicação social desde o 1º de Maio. Tudo começou com a oferta, feita por uma cadeia de supermercados, de um desconto de 50% aos clientes, precisamente nessa data.

A lei portuguesa proíbe a venda de bens ao consumidor por um preço inferior ao preço de compra efetivo, acrescido dos impostos aplicáveis e dos eventuais encargos com o transporte. Caberá à autoridade administrativa competente – a ASAE – determinar se, neste caso, houve um efetivo prejuízo ou se as margens de lucro (leoninas) permitem um tal desconto.
Mas a lei admite exceções. Pode haver venda com prejuízo de bens perecíveis ameaçados de deterioração rápida, bens cujo valor comercial esteja afetado, bens cujo reaprovisionamento se possa efetuar a preço inferior, bens cujo preço esteja alinhado com o praticado para os mesmos bens por outro agente económico e bens vendidos em saldo ou em liquidação.
Porém, a pergunta que muitos portugueses farão – incluindo os largos milhares que aderiram à campanha – é esta: por que razão impede o Estado a venda com prejuízo, evitando que os consumidores usufruam de bens a preços mais acessíveis, numa situação de especial carência? De facto, não deveria ser sancionada apenas a conduta inversa, ou seja, a especulação?
A especulação, que se traduz na venda por preços superiores aos legalmente permitidos ou anunciados (artigo 35º do Decreto-Lei 28/84), é prevista como crime contra a economia, sendo punível com pena de prisão até 3 anos. Mas, sem possuir relevância penal, também a "venda com prejuízo" constitui uma atividade ilícita e é sancionada com coimas até 15 000,00 €.
O fundamento deste regime sancionatório resulta de a venda por preços extraordinariamente baixos poder estar associada à pretensão de prejudicar e eliminar a concorrência, para dominar o mercado e impor preços mais altos, em prejuízo dos consumidores. Esta prática é bem conhecida no comércio internacional como forma de conquistar quotas de mercado.
Não é fácil traçar a fronteira entre crimes como a especulação e contraordenações como a venda com prejuízo. Invoca-se o menor dano social ou a menor ressonância ética para explicar a decisão legislativa de configurar uma conduta como contraordenação e não como crime. Porém, os interesses postos em causa na venda com prejuízo justificam a proibição.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,a quem, com a devida vénia se agradece.Publicado no "Correio da Manhã".

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