domingo, 9 de setembro de 2012

"Homicídios privados" , por Fernanda Palma

Os homicídios que todos os dias ocupam as primeiras páginas dos jornais não parecem constituir uma preocupação política central. Todavia, no primeiro semestre de 2012 terá havido um aumento absolutamente anormal de mais de 50% dos homicídios dolosos, a fazer fé numa notícia cuja origem é atribuída a fonte do Gabinete Coordenador de Segurança.
Mesmo nos anos em que os media – e sobretudo as televisões – se ocuparam obsessivamente com a criminalidade violenta, as taxas de homicídio variaram em percentagens mínimas, nunca superiores a 2%, e até houve uma redução do número de homicídios nos últimos anos. A confirmar-se a nova tendência, Portugal subirá no ranking de homicídios por habitante.
Os estudos criminológicos revelam que há fatores que potenciam o homicídio, como a oportunidade associada ao acesso às armas de fogo, mas também a recessão e a falta de perspetivas de vida. Mas é possível construir políticas de redução do homicídio, reforçando o controlo das armas e protegendo os direitos humanos, nomeadamente contra a violência doméstica.
Os crimes passionais, que são uma percentagem significativa embora não maioritária dos homicídios, resultam de decisões privadas e silenciosas, situadas fora do controlo policial. Em Portugal, no início do século XX, estes homicídios estiveram associados a questões de "honra". A sua diminuição acompanhou a nova posição das mulheres na família e na sociedade.
Num novo contexto cultural, o combate à violência doméstica veio publicitar crimes de que o Estado se afastava anteriormente, por se tratar de uma "questão privada das famílias". Porém, esse combate não parece ter reflexo imediato nos homicídios contra as mulheres, que têm surgido, frequentemente, já depois do divórcio ou da cessação da relação amorosa.
Uma conceção liberal da relação do Estado com a sociedade não favorece a adoção de medidas políticas nesta área. No entanto, se o homicídio passional não depende hoje do contexto cultural do passado, deve perguntar--se quais são afinal os seus novos estímulos. Existirá uma deterioração das condições psíquicas da população que cria estas soluções homicidas?
Se uma das razões de ser do Estado é, como defende Hobbes no ‘Leviatã’, evitar que o homem seja o lobo do homem, então o homicídio representa um problema central para o poder político. O Estado não poderá deixar "desregulada" essa situação, cabendo-lhe, nomeadamente, desenvolver políticas de apoio psicológico à população e de defesa das vítimas.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, a quem, com a devida vénia, se agradece.Foi publicado no "Correio da Manhã".

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