domingo, 14 de outubro de 2012

"O caso Seabra" por Fernanda Palma,

Apresentado como exemplo de celeridade da Justiça norte- -americana pelos detratores da Justiça portuguesa, o julgamento de Renato Seabra só se iniciou dois anos depois da morte de Carlos Castro. Irá decorrer perante um tribunal de júri, com a defesa a invocar a inimputabilidade do arguido e a acusação a alegar que ele cometeu o crime num quadro de exaltação e raiva.
No entanto, este modo de colocar o problema é simplista. A defesa revela grandes dificuldades em interpretar o caso se entender que só lhe resta demonstrar uma perturbação mental visível e temporária do arguido, que o terá conduzido a um não saber de si próprio ou dos atos que praticou por ocasião do homicídio, ou seja, a um estado de inimputabilidade.
Para o conseguir, a defesa teria de enquadrar o caso nas raras situações em que alguém pratica um crime em rutura com o seu comportamento normal, deixando uma anomalia psíquica temporária controlar os seus atos. A defesa teria de encontrar provas médicas que convencessem o tribunal de uma "relação causal" entre a anomalia psíquica e o crime.
À luz do Código Penal português, a inimputabilidade traduz-se na incapacidade, ainda que temporária, de avaliar o carácter ilícito do facto ou de se determinar de acordo com tal avaliação. A comprovação da inimputabilidade pressupõe uma perícia psiquiátrica que, ainda assim, não vincula o tribunal, que pode divergir, fundamentadamente, da sua conclusão.
A acusação, por seu lado, reduz a sua argumentação a um estado de exaltação e raiva, resultante do desprezo ou ódio do arguido pela vítima. Mas também esta tese é redutora e visa simplificar a compreensão do problema pelo júri. Na realidade, um estado de exaltação e raiva pode ser causado ou coincidir com uma perturbação psíquica temporária e não a exclui.
A mente doente funciona com as emoções de uma mente sã, mas com outras regras, que se formam a partir de uma desagregação de conexões de sentido do real. O caso deste jovem, pela sua violência extrema e pela explosão emocional que desencadeou, é muito mais complexo do que uma linha rígida de fronteira entre imputabilidade e inimputabilidade.
A emoção que dominou esta conduta homicida pode ter uma lógica própria e uma racionalidade simbólica, eventualmente alicerçadas em sentimentos contraditórios sobre a homossexualidade. Porém, nem essa lógica nem essa racionalidade permitem, por si mesmas, concluir que o agente tinha condições para se dominar e dominar os seus atos no momento do crime.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, a quem,com a devida vénia,se agradece. Foi publicado no "Correio da Manhã".


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